Mulheres do MAB debatem reparação dos direitos dos atingidos com ministro Paulo Teixeira e representantes do governo

Ato com presença de integrantes de diferentes ministérios aconteceu durante a Jornada de Lutas das Mulheres do MAB, realizada entre 02 e 05 de junho, na capital federal, reunindo participantes de 20 estados

Abertura do terceiro dia da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Atingidas, em Brasília. Foto: Nivea Magno / MAB
Abertura do terceiro dia da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Atingidas, em Brasília. Foto: Nivea Magno / MAB

Na manhã desta quarta, 04, mulheres do MAB de todo o Brasil participaram do ato “Políticas Públicas de Estado para a Reparação dos Direitos das Populações Atingidas”, durante a Jornada de Lutas que reúne cerca de mil participantes do Movimento, em Brasília (DF). O ato contou com a presença do Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e representantes dos ministérios da Saúde, de Minas e Energia, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, da Justiça e da Pesca e Aquicultura.  

A proposta do encontro na capital federal é apresentar para os representantes do governo as principais demandas dos atingidos por barragens e mudanças climáticas em todo o país. As reivindicações incluem a reparação por crimes ambientais cometidos em seus territórios, o direito à moradia digna, à saúde pública e à segurança para populações que vivem ameaçadas pelo rompimento de barragens, assim como a prevenção de novos crimes e tragédias. Para garantir esses direitos, os atingidos exigem a regulamentação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).

A lei – sancionada no final de 2023 – depois de décadas de lutas dos militantes, assegura que os atingidos recebam indenizações justas por perdas materiais e morais em casos de construção, operação e rompimento de barragens. A Política também garante o custeio de assessoria técnica independente, para auxiliar nas negociações dos atingidos com a Justiça e a participação ativa dos atingidos nas decisões que afetam suas vidas, com proteção especial para grupos vulneráveis e a preservação de seus modos de vida e culturas. 

Por isso, o MAB luta para que a lei saia do papel e e a contar com recursos, órgãos de implementação e fiscalização com efeitos concretos na vida da população atingida, conforme explicou Ivanei Dalla Costa, integrante da coordenação do MAB.

Ivanei Dalla Costa, da coordenação nacional do MAB. Foto: Joyce Silva / MAB
Ivanei Dalla Costa, da coordenação nacional do MAB. Foto: Joyce Silva / MAB

“Estamos aqui, porque Brasília não é só um lugar físico, mas também a terra que construímos, onde se instala o poder do Estado, que tem a missão de ajudar a resolver os problemas do povo brasileiro. Então, estamos aqui para debater e reivindicar os nossos direitos e denunciar políticas que prejudicam nossa vida. Mas também estamos aqui para lutar pela democracia, lutar para que este governo avance e consiga implementar programas que, de fato, garantam justiça e melhoria da vida da população”, afirmou.  

Processo de indenização machista na Bacia do Rio Doce

Durante o ato, uma das atingidas pelo rompimento da barragem da Vale na Bacia do Rio Doce, Varner de Santana, relatou os desafios enfrentados pelos moradores de Marilândia (ES), que ainda hoje esperam justiça e condições de reconstruírem suas vidas de forma digna na região.

Varner de Santana, atingida pela barragem da Vale na Bacia do Rio Doce. Foto: Joyce Silva / MAB
Varner de Santana, atingida pela barragem da Vale na Bacia do Rio Doce. Foto: Joyce Silva / MAB

“Sou ‘pé na lama’. Dez anos se aram desde o crime que devastou tantas comunidades em Minas Gerais e no Espírito Santo, contaminando o Rio Doce completamente. Quase uma década de luta, de busca por reparação, em que temos lutado incansavelmente, clamando por justiça, mas, ainda hoje, vivemos com um rio contaminado e com nossas terras improdutivas devido ao rejeito de minério. Mulheres estão adoecendo; crianças de sete anos estão falecendo com tumores cerebrais e câncer. A incidência de câncer tem aumentado em toda a calha do rio”, relatou.

Segundo Santana, as mulheres foram as mais prejudicadas durante o processo de reparação pelo crime, pois, quando foi realizado o cadastro para a indenização dos atingidos, somente os homens eram considerados responsáveis pelas casas ou trabalhadores. “Ou seja, as mulheres foram excluídas do sistema de reparação e indenização. Mulheres que se levantavam de madrugada, ou até mesmo à noite para pescar no rio, para trazer o sustento para casa, não foram reconhecidas como pescadoras. Mulheres que, ao amanhecer, já estavam no campo, trabalhando na roça, não foram reconhecidas como agricultoras. As artesãs, enfim, muitos moradores ribeirinhos, não foram devidamente reconhecidos”, explica.

Ainda segundo a atingida, muitos esposos, sendo os beneficiários dos auxílios financeiros, abandonaram suas companheiras, deixando-as com os filhos em situação de insegurança alimentar em um território devastado. “Por isso, pedimos aos nossos companheiros do governo que olhem para essas regiões, que nos levem a reparação e que deem às mulheres atingidas condições de manter suas casas, pois são todos os tipos de violações que as mulheres vêm sofrendo”, disse. 

Atingida do Rio Grande do Sul denuncia condições precárias de moradias provisórias

Juraci Padilha, moradora de Estrela (RS) e atingida pelas enchentes. Foto: Marta Fleita / MAB
Juraci Padilha, moradora de Estrela (RS) e atingida pelas enchentes. Foto: Marta Fleita / MAB

Juraci Padilha, moradora de Estrela, no Rio Grande do Sul, relatou a situação dos atingidos pela cheia histórica de 2024, que há um ano esperam por novas moradias. Segundo ela, os atingidos não são os que causaram a devastação ambiental que provoca as mudanças climáticas, e precisam de reconhecimento e mais apoio das autoridades locais. 

“Estamos morando em áreas remanescentes e em casas provisórias que, na verdade, são como campos de concentração. Nesses locais, as pessoas são colocadas em espaços mínimos. Pessoas com deficiência precisam tomar banho do lado de fora, porque no banheiro não cabe uma cadeira. No calor, somos forçados a sair para a rua, pois é impossível ficar dentro de casa por falta de isolamento térmico. No frio, não podemos ligar nenhum aparelho, pois a luz cai constantemente. Sabemos que o Rio Grande do Sul recebe recursos do governo federal, mas eles não chegam a quem realmente precisa: os atingidos”, explicou Juraci. 

Os projetos do governo federal para os atingidos

Diante dos relatos dos atingidos, os representantes dos ministérios, órgãos e instituições parceiras do MAB, como a Fiocruz, o Banco do Brasil e o IPEA, apresentaram propostas e projetos que eles têm estruturado para atender as reivindicações dos atingidos. Em sua fala, o ministro Paulo Teixeira abordou a importância de enfrentar a insegurança alimentar no país.

Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Foto: Nivea Magno / MAB
Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Foto: Nivea Magno / MAB


Nesse contexto, ele afirmou que o governo está atuando em diferentes frentes para reduzir os custos dos alimentos, como o feijão, a carne de frango e o café, para tornar a comida mais ível para o povo brasileiro, especialmente para a população que mais precisa, como é o caso dos atingidos que estão reconstruindo suas vidas. O ministro destacou projetos que beneficiam as comunidades tradicionais em territórios atingidos, como os quintais produtivos, que tem como um dos objetivos promover a autonomia econômica das mulheres rurais em todo o país, promoção da segurança alimentar e nutricional. Na prática, a iniciativa visa transformar espaços das casas de moradores do campo em pequenas unidades de produção de alimentos, ervas medicinais e criação de pequenos animais. fomentar práticas sustentáveis.

Bruna Gonçalves falou sobre as consequências das mudanças climáticas para a vida das pescadoras. Foto: Joyce Silva / MAB
Bruna Gonçalves falou sobre as consequências das mudanças climáticas para a vida das pescadoras. Foto: Joyce Silva / MAB

A representante do Ministério da Pesca, Bruna Gonçalves, disse que o foco principal da pasta é apoiar os pescadores e pescadoras artesanais, especialmente aqueles afetados por desastres, grandes empreendimentos e problemas de contaminação por mercúrio, como acontece no Pará. “Sabemos que os impactos das recentes enchentes no Rio Grande do Sul ainda atingem fortemente a população local, com muitos pescadores sem conseguir retomar suas atividades. A situação na Região Norte, afetada desde os anos 2000 por eventos como a seca e a morte do Rio Tapajós, também é uma preocupação constante para nós. Para defender a pesca profissional, sabemos que precisamos de rios e mares vivos”, disse.

Por isso, Bruna disse que o Ministério tem trabalhado em conjunto com diversas outras pastas, para lidar com as emergências climáticas e tentar implementar programas de adaptação e prevenção. Nosso foco está nos movimentos sociais e nas comunidades tradicionais, de camponesas, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, buscando mediar e adaptar políticas públicas a esses territórios.

Valcler Rangel, Médico Sanitarista da Fiocruz e ativista do SUS, falou dos projetos da fundação em parceria com o MAB. Foto: Joyce Silva / MAB
Valcler Rangel, Médico Sanitarista da Fiocruz e ativista do SUS, falou dos projetos da fundação em parceria com o MAB. Foto: Joyce Silva / MAB

Em nome da Fiocruz, Valcler Rangel expressou profundo respeito pela luta e trajetória dos atingidos do país. “Na Fiocruz, nós definimos uma agenda de trabalho que prevê, pelo menos, 10 anos de parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Atualmente, estamos construindo um projeto para avaliar a situação de saúde e os impactos do crime socioambiental ocorrido em Mariana, que até hoje nos afeta profundamente. Para isso, desenvolvemos o projeto “Saúde, Água, Energia, Alimento e Trabalho”, focado na promoção de territórios sustentáveis e saudáveis. Também temos outros projetos construídos junto com o MAB, em que os atingidos não são objetos de pesquisa, mas são protagonistas da pesquisa. Porque é nesse lugar que eles precisam estar, no lugar de protagonismo para transformar a realidade que os afeta”. 

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