Durante a Jornada de Lutas em Brasília, atingidas do MAB realizaram ato e lançaram manifesto contra os altos juros praticados no país. Segundo as atingidas, a pressão financeira se manifesta de forma desproporcional sobre as mulheres, que frequentemente gerenciam o orçamento familiar e são as primeiras a sentir o peso do endividamento
Publicado 03/06/2025 - Atualizado 04/06/2025

Na tarde desta terça-feira, 03, cerca de mil mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizaram um ato de protesto em frente ao Banco Central, em Brasília. As atingidas de diversas partes do país se uniram a integrantes de outras organizações populares para denunciar os efeitos devastadores da atual taxa de juros na vida dos trabalhadores brasileiros.
Paralelamente à mobilização, o MAB lançou o “Manifesto sobre a Taxa de Juros aplicada no Brasil”, que detalha a visão do movimento sobre a crise econômica e as soluções necessárias. O ato e o lançamento do documento integram a programação da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Atingidas, que reúne mulheres vindas de diferentes territórios afetados por barragens e mudanças climáticas em todo o país. Elas trouxeram para a capital federal diversas reivindicações, incluindo a urgência de mudanças na política econômica do país diante dos altos juros – atualmente, o país tem a terceira maior taxa de juros do mundo e a mais alta em quase 20 anos (14,75%).
O documento do MAB faz críticas contundentes à atual política monetária: “Consideramos inaceitável e abusiva a taxa de juros praticada pelo Banco Central nos atuais 14,75%. A Selic atinge o maior patamar em quase 20 anos, tornando-se a terceira mais alta do mundo. A alta dos juros tem efeitos negativos na vida da população e na economia, considerando que hoje há mais de 76 milhões de trabalhadores e trabalhadoras endividados, e que a população já sofre com a carestia no preço dos alimentos e o aumento no custo de vida.”



Durante o ato, as mulheres ressaltaram que essa política penaliza os mais de 76 milhões de trabalhadores endividados e impacta o preço dos alimentos e o aumento do custo de vida, um cenário que atinge de forma desproporcional as famílias de baixa renda. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram como a inflação impacta mais as famílias com menor poder aquisitivo, pois os itens que mais encarecem são justamente os que mais pesam no orçamento dessas casas, como alimentos básicos.

Uma das participantes do ato, Cátia Ferreira da Costa, de Porto Alegre (RS), explicou que, no caso dos atingidos pelas cheias do Rio Grande do Sul, o impacto é ainda maior, já que muitas famílias estão tentando reconstruir suas vidas por conta da destruição causada pelas mudanças climáticas.
“Os impactos dos juros são muitos. Primeiramente, na moradia, porque para financiar uma casa, os juros são muito altos e tu não consegue financiar. E a comida na mesa também tu não consegue manter, porque também os juros são muito altos. Então, os altos preços impactam de todas as formas hoje”.
A Voz do Campo: Dificuldades e Impactos nas Mulheres
Jeiéli Laís Borges dos Reis, que também se juntou à mobilização do MAB, integra a coordenação do Coletivo Nacional de Gênero do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Segundo ela, o impacto dos altos juros no cotidiano dos agricultores familiares é grande. “No campo, as altas taxas de juros são a nossa maior dificuldade para ar crédito. Isso gera o endividamento do camponês e a dificuldade de pagar as dívidas, o que nos leva a ser negativados. Essa situação limita nossa capacidade de investir melhor na produção, ar tecnologia e ter melhores condições de produzir. É uma verdadeira cadeia de problemas, onde um vai puxando o outro”, desabafou Jeiéli, ilustrando o ciclo vicioso que afeta a subsistência rural.

Ela enfatizou como o problema repercute especialmente na vida das mulheres: “Para nós, a importância desse ato aqui é ainda maior, porque as mulheres são as primeiras e principais atingidas. Isso ocorre desde o momento em que amos alimentos e outros itens essenciais para a sobrevivência de nossas famílias, até a hora de nos endividarmos diante de imprevistos, quando precisamos de crédito para resolver alguma situação em casa.” O depoimento de Jeiéli demonstra como a pressão financeira se manifesta de forma mais aguda sobre as mulheres, que frequentemente gerenciam o orçamento familiar e são as primeiras a sentir o peso do endividamento.
Sobre o Manifesto: Juros altos concentram riqueza e aprofundam a pobreza
O manifesto destaca ainda que os juros altos beneficiam apenas uma pequena parcela da elite econômica do país, que lucra com investimentos em títulos do governo, em detrimento do investimento produtivo que gera empregos e desenvolvimento. “A taxa de juro da Selic ficar neste patamar só interessa a 1% da elite econômica do país, que compra títulos do governo para investimentos, e a cerca de 10% da classe média, que tem aplicações financeiras. Pois, com a alta dos juros, vale mais a pena deixar o dinheiro aplicado em algum título do governo do que investir no capital produtivo gerando empregos.”
Segundo a coordenação do MAB, o tema dos juros ganha ainda mais relevância com a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central que definirá o índice da taxa Selic nas próximas semanas. O Movimento apela para que este seja um “momento crucial para a diminuição da taxa de juros”.
O manifesto argumenta que juros mais baixos permitiriam o aumento dos investimentos públicos, resultando em mais empregos, o a políticas públicas e programas sociais e, consequentemente, a garantia de uma melhor qualidade de vida para toda a população. “Os juros altos só privilegiam o capital, em detrimento do desenvolvimento do país com distribuição de renda e investimentos sociais. Boicotam e impedem o crescimento e prejudicam, principalmente, a classe trabalhadora. A elite brasileira tem como projeto apenas o enriquecimento próprio, o rentismo em sua forma mais bruta”.
A dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), Fabiola Antezana, reforçou a crítica à política de juros altos, ecoando o manifesto do MAB:
“Há um consenso de que o aumento dos juros penaliza os trabalhadores e trabalhadoras, gerando lucro para o mercado financeiro, algo inédito no país. Para o mercado, interessa manter a taxa de juros alta para nos manter em uma condição de dominação.”
Antezana enfatiza que, no atual cenário, onde se vive um aumento em praticamente todos os bens e serviços essenciais – energia, água, gasolina, diesel e os próprios alimentos -, a manutenção da taxa de juros elevada é de extremo interesse do empresariado e do mercado financeiro para “nos dominar”.
“Por isso, um ato como este na porta do Banco Central, que dita a política financeira do Brasil, é uma forma de exigir que as prioridades sejam revistas. Precisamos garantir que os trabalhadores e trabalhadoras tenham poder aquisitivo, e isso a, fundamentalmente, pela redução da taxa de juros. O aumento do emprego é excelente, mas a diminuição dos juros é essencial para o crescimento desse poder de compra, tão necessário para dinamizar a economia brasileira”, concluiu a dirigente.
O MAB também denuncia que os juros elevados desviam recursos do orçamento público – que deveriam ser destinados a saúde, educação, empregos e moradia – para o capital financeiro. Segundo o manifesto, só em 2025, “mais de 1 trilhão de reais do orçamento público foram destinados para o pagamento de juros”, beneficiando apenas 1% da população brasileira. Essa política, alertam, ainda “aumenta a pressão sobre o Estado Brasileiro em torno dos cortes de gastos públicos, alegando que esta é a solução para a redução da dívida pública”, o que leva à privatização dos serviços públicos.
Luta por um Brasil Mais Justo
O MAB conclui seu manifesto com um chamado à mobilização: “A luta por juros baixos é essencial para que a população compreenda os interesses obscuros do capital financeiro, e se sinta convidada a se unir a esta causa.” E reforça: “Juros altos concentram riqueza e aprofundam a pobreza. Somos todas atingidas!”.
Leia manifesto completo aqui
